O avanço na técnica de plantio de uvas voltado à produção de vinhos finos tem gerado uma onda de novas vinícolas no estado de São Paulo, inclusive em regiões sem tradição neste tipo de atividade. A revolucionária técnica da dupla poda é a responsável por esse novo momento dos parreirais paulistas.
O número de pés de uva voltados à produção industrial, o que inclui vinhos e sucos, foi 2,5 vezes maior em 2023 que nos dois anos anteriores somados. Segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, foram quase 64 mil pés plantados, oito vezes mais que em 2022.
É dentro deste contexto e visando fortalecer o setor que o Governo de São Paulo lançou recentemente o programa Rotas do Vinho de São Paulo, iniciativa inédita que reúne 66 vinícolas que oferecem experiências de enoturismo, como degustação de vinhos, visita à vinícolas, harmonização de vinhos com a gastronomia; entre outros. Além de promover o enoturismo, o objetivo é promover o desenvolvimento local e regional dos destinos e dos produtores de vinho.
“Tem muitas novas vinícolas iniciando e entrando no circuito. É uma uma nova fronteira que está se abrindo e São Paulo tem se apresentado com um excelente terreno para a produção de uvas voltadas para produção de vinhos”, afirma Ricardo Baldo, proprietário da Vinícola Terras Altas, em Ribeirão Preto, no Interior paulista.
A Terras Altas é uma das mais de 50 vinícolas ligadas à Associação Nacional dos Produtores de Vinho de Inverno (Anprovin).
Ricardo Baldo conta que o projeto começou em 2016, quando a vinícola passou a plantar a própria uva para a produção de vinhos finos, graças à adoção da técnica conhecida como dupla poda. “São Paulo tem se apresentado com um excelente terreno para a produção de uvas voltadas para produção de vinhos”, reforça.
O método gera uma inversão no ciclo da planta, o que possibilita que a maturação e a colheita das uvas aconteçam no Inverno, período com menos chuvas e elevada amplitude térmica. Em 2019, o produtor fez a primeira vinificação.
Pelo fato de, tradicionalmente, a colheita ser no Verão, período que dificulta a maturação da uva, São Paulo era marcado pela produção dos chamados vinhos de mesa, em locais como Jundiaí e São Roque. Nos últimos anos, no entanto, a adoção da dupla poda vem mudando esse cenário.
“Essa técnica realmente revolucionou e trouxe uma aptidão para o Sudeste que até então não se tinha, principalmente quando se fala em vinhos finos”, explica Baldo.
Com isso, a vitivinicultura paulista – atividade na qual a colheita da uva é voltada especificamente para a produção de vinho – passou a dar mais valor à diversidade do setor, reconhecendo a qualidade tanto dos vinhos de mesa como dos chamados vinhos finos. “A dupla poda trouxe uma aptidão para o Sudeste que até então não se tinha, principalmente quando se fala em vinhos finos”, finaliza o produtor.
Uma das regiões sem nenhum tradição como produtora de vinhos é Barra Bonita. E neste local, no Vale do Tietê, entre Barra Bonita e Santa Maria da Serra, uma vinícola já chama a atenção. O empreendedor Leonardo Sgargeta Ustulin realça que a amplitude térmica do lugar para o plantio da uva e as belezas naturais daquele vale na margem do médio Tietê criaram um ambiente motivador e inspirador para o seu projeto. “Acabei sendo pioneiro na região”, revela.
Entenda a dupla poda
A técnica da dupla poda ou poda invertida é fruto de pesquisas, avanços tecnológicos e adaptação da cultura. Ela consiste na inversão do ciclo da videira e possibilita a “colheita de Inverno”, ou seja, a produção das uvas que vão dar origem aos Vinhos de Inverno se concentra durante os meses mais secos e com maior amplitude térmica, noites amenas e dias ensolarados.
A técnica de dupla poda faz com que o ciclo da videira se altere, trazendo a maturação para o Inverno.
Estrategicamente, uma poda é feita em meados de agosto e a outra em janeiro. Com a segunda poda, no início do ano, o ciclo recomeça e a planta floresce em abril e maio. As uvas são, portanto, colhidas entre o final de julho e início de agosto.
Nesta época de colheita, os dias são bastante ensolarados (até 27º), as noites obviamente bem mais frias (cerca de 10º) e a amplitude térmica, que é a diferença do dia e da noite, chega a 15 e 17º, um cenário ideal para as uvas. Além disso, historicamente, não chove. A chuva é um dos grandes vilões para a uva utilizada para a produção de vinhos finos.
Estas características ambientais vão proporcionar, portanto, uma bebida com perfil distinto entre os vinhos finos brasileiros, configurando qualidade e identidade ao produto.
Essa técnica começou a ser testada, e depois aperfeiçoada, no início dos anos 2000 pelo professor e produtor Murillo de Albuquerque Regina. Então pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Murilo havia acabado de retornar da França onde concluiu o seu doutorado.
Na ocasião, percebeu que as condições de produção de vinhos finos na Europa eram semelhantes às características do Inverno no Sul de Minas Gerais, na região da Mantiqueira, onde o café era a principal referência agrícola.
Murillo foi, então, aprofundando os seus experimentos e observações, o que resultou num projeto bem-sucedido de produção de Vinhos de Inverno em larga escala, uma técnica adotada por várias vinícolas e que acabou sendo consolidando ano a ano, safra a safra.
A criação da Anprovin resulta desse legado de Murilo. O pesquisador é ex-presidente da associação, que está sendo comandada hoje pelo produtor Claudio Góes, CEO da Vinícola Góes, de São Roque.
Os primeiros vinhos obtidos pela técnica chegaram ao mercado no final dos anos 2000. O retorno e o reconhecimento foram imediatos, com a adoção desses vinhos pela rede enogastronômica e com premiações nacionais e internacionais atestando a qualidade do produto. Hoje, a dupla poda não se resume ao Sul de Minas. Outras regiões do País, que possuem microclima similar, têm adotado a prática com bons resultados.
Com informações da Agência SP e do site da Anprovin